sexta-feira, 15 de abril de 2011

A ODISSÉIA DE UM RESGATE

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È minha gente, não é de hoje que dou minhas pedaladas, na verdade conheci o mountain bike propriamente dito, quando ainda contava com pouca idade, apenas 14 anos. Treinava praticamente todos os dias em média 50 km, e competia pela região.

Nessa época, nos idos de 1993 eu morava na cidade de Guaíra, fronteira com o Paraguai e Mato Grosso do Sul, aquela onde ocorreu o maior crime ambiental do Brasil, qual foi o alagamento do salto das Sete Quedas, para formar o lago de Itaipu. E não se enganem elas eram tão lindas que mereceram até poema de Carlos Drummond de Andrade, que para conhecimento do leitor transcrevo a parte inicial - mas se você não gosta de poema/poesia) pode pular essa parte  hehe


Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
Já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas por mão do homem, dono do planeta.

Pois bem, voltemos ao tema do post. Como eu disse antes, naquela época eu era feliz proprietário de uma mountain bike Specialized cor preta que comprei com muiiito sacrifício. Era tal qual a que eu tenho atualmente, porém na cor preta.

Certa noite eu fui até a casa de um amigo e deixei minha bike estacionada na parte dos fundos da casa dele e depois de uns 30 minutos, descobri que um gatuno havia levado a pretinha.

Aquele momento foi desesperador, pois a sensação foi das piores, saber que alguma alma má, estava naquele momento desfrutando da minha magrela, sem contar que eu iria ficar no casco rs.

Lamentação de toda parte o jeito era voltar pra casa – a pé é claro, explicar o acontecido para papai e mamãe rss e tentar dormir. No outro dia fiz o famoso BO na delegacia, mas claro que a polícia não iria se empenhar e investigar o crime pelo qual eu havia sido vítima.

Guaíra está situada numa das margens do Rio Paraná e dou outro lado está o Paraguai, mais precisamente Salto Del Guairá, atual paraíso das compras. Para atravessar ao outro lado se tem duas opções, a ponte Ayrton Senna (que dá acesso ao Mato Grosso do Sul e dali há uma divisa seca com o Paraguai) que mede quase 3km de extensão ou de ferry boat que atraca diretamente na margem do lado Paraguaio.


Com um espírito Sherlockiano, pensei ser certo que igualmente aos carros e motos roubados do lado brasileiro, a minha bike também poderia ser levada para o lado paraguaio. Ela era fácil de ser reconhecida, pois daquela marca e características era a única na cidade e assim se o larápio fosse de fato esperto, faria isso mesmo.

Eu tinha alguns colegas que trabalhavam na cidade do lado paraguaio, dessa forma passei a notícia do furto e pedi para que se vissem a magrela, me avisassem imediatamente. Fiquei na espera.

Depois de uma semana, um de meu colegas (olha o apelido do cara BIBAU – nunca mais tive notícias desse ser) me avisou que havia visto minha bike em Salto del Guairá, sendo usada por um paraguaito.

Fiquei muito ansioso e pensando no que fazer, mais que depressa tive a idéia de convidar um amigo meu de mesma faixa etária (esse de nome descente, o Fábio) para irmos no outro dia cedo ao Paraguai tentar fazer o resgate da magrela e ele tão maluco quanto eu, aceitou de pronto a empreitada.

Não avisamos nada aos nossos pais (com certeza não iriam permitir) e ás 8 horas da manhã estávamos na avenida principal de Salto del Guairá, sentados num banco e observando o movimento, na esperança de ver máquina. Estava disposto a ficar ali o dia inteiro até o maldito passar por ali, montado no que me pertencia.

 Mas Deus é brasileiro e não paraguaio.  Não foi meia hora de espera e passou o cabra por nós, com a minha bike, sem tirar nem por. Passou na boa, sem pressa, na maior preguiça (eles são quase baianos – nada contra os baianos nem contra os paraguaios), só faltou a cuia de terere (quem já foi ao Salto del Guairá, sabe do que estou a falar).
E o pior o fdp parou do outro lado da rua, deixou a bike na boa do lado de fora e entrou numa loja. Pensei, é minha por direito, vou montar nela e sumir pra casa...hehe...mas meu anjo da guarda soprou no meu ouvido: não faça isso, antes que você chegue  no ferry boat a POLICIA paraguaia já te jogou no calabouço por infringir a lei!

E lá, se não tem lei e você for brasileiro, eles inventam na hora a lei. Não podemos generalizar, mas isso já ocorreu com um amigo meu.

Seria acusado de furto e até provar que focinho de porco não é tomada, sabe-se lá Deus o que poderia ter acontecido. Falei isso pro meu amigo e esse disse que era besteira, que daria tempo e tal. Aí já fiquei a pensar que ele nem era tão meu amigo assim hehehe.

Fiquei ali matutando o que fazer e plim... meu veio uma idéia. Lembrei-me que do consulado brasileiro no Paraguai. Pensei, é brasileiro então terá que nos ajudar. Pelo menos eu não correria o risco de ser preso por furtar minha própria bicicleta.

Me informei onde ficava e lá fomos nós, me apresentei e contei toda a história triste ao cônsul, um velhinho de uns 80 anos, magricelo, usava terno e gravata, muito falante e com um vozeirão que dispensa microfone.

Depois de contar a historia ele perguntou: Onde está seu documento e o documento da bicicleta?
Putz, os heróis da independência simplesmente não tinham levado o elementar hehehe. Pensa num cônsul bravo, pensou? Então é aquele. Ele esbravejou, como vocês atravessam a fronteira sem os documentos pessoais e pior sendo menores de idade!
Pensei comigo, f.......esse cônsul não vai nos ajudar e ainda por cima igual diz uma musica – vai dar o pé na bunda e nos devolver debaixo de vara aos nossos pais no Brasil. Pobres jovens almas.

Mas ainda bem que passada a lição de moral ele disse ao meu colega para vir ao Brasil pegar nossos documentos pessoais e da bike ( ainda bem que eu tinha nota fiscal, manual com número de série) e voltar. Mas isso iria demorar no mínimo umas duas horas, pois só o ferry boat demorava em média 30 minutos para fazer a travessia do Rio Paraná.

Enquanto isso o tal cônsul zangado, acionou a POLICIA (isso mesmo sem acento) que veio ao consulado com uma camionete cheia de policiais paraguaios armados até os dentes (lá eles andam com escopeta 12, punheiteira ainda hehe). Quando vi tudo isso me senti o tal heim...hehe. Eu e o cônsul zangado fomos seguindo com o carro do consulado, a camionete da POLICIA paraguaia, até o local onde vi a bike e pra minha sorte, passados já 30 minutos, ela estava lá no mesmo lugar, me esperando.

Os policiais e o cônsul com uma rápida incursão no interior da loja descobriram quem era o paraguaito que estava de posse da minha propriedade. Um piá de uns 14 ou 15 anos também. A res furtiva foi posta na carroceria da camionete e fomos todos para uma espécie de delegacia do Paraguai. Pensei opa agora está fácil daqui uns 15 minutos pego a bike e volto para Pasárgada.

Ledo engano, esqueci que precisava dos tais documentos e então ficamos lá: eu, alguns policiais preguiçosos, ladrãozinho, o cônsul zangado, e claro minha bike, todos juntos reunidos.

O ambiente não poderia ser pior, se delegacia no Brasil já é ruim imagine no Paraguai. E pior que isso é eles conversarem em Tupi Guarani, isso mesmo, não é em espanhol que eles falam na maioria das vezes, usam de maneira geral essa língua indígena. Assim, não entendemos nada do que dizem e a sensação é de que estão sempre te zoando...vai ver que estão mesmo.

Mas não se engane, eles entendem tudo o que os brasileiros dizem. São praticamente poliglotas, falam tupi, português e espanhol.

Se você que estudou espanhol durante 5 anos está pretendendo ir ao Paraguai e acha que vai abafar, é melhor desistir hehehe...vá para Argentina, quem sabe você se comunica e não se trumbica, como diria o falecido cara da buzina, o Chacrinha.

Pois então, meu colega chegou e daí foi outra novela, pois todo o procedimento naquela delegacia era feito, pasmem, a mão. Isso mesmo, em livros enormes e escritos a mão, nada de Olivetti, computador então, isso morde?



Sei que do momento que meu colega entregou os documentos até terminar a burocracia toda, foi mais de 1 hora, ainda mais com aquele escrivão que parecia estar ainda aprendendo a escrever de tão lerdo.

Durante esse tempo, eu olhava pra bike depois olhava pro ladrãozinho, que olhava pro policial, que olhava pra todo mundo. O cônsul zangado, que não é bobo nem nada, só voltou mesmo quando foi pra dar tchau.

Isso mesmo, depois que tudo estava pronto na delegacia e que me entregaram a bike, após assinar o recibo de entrega do bem. Que momento feliz foi aquele. Há que se reconhecer que a POLICIA paraguaia foi muito competente neste caso.

Pois é minha assinaturinha de menino deve estar lá até hoje, naquele livrão, mofando em alguma prateleira, se é que já não queimaram tudo.

O tal cônsul zangado nos escoltou até o ferry boat e nos desejou boa sorte e disse para termos mais cuidado e nunca mais voltar ao Paraguai sem os nossos responsáveis.

Com certeza ele teve a sensação de dever cumprido, bem como ter feito naquele dia uma boa ação para duas ingênuas almas.

Ter recuperado a minha bike depois de uma semana, inteirinha e ainda mais daquela forma, foi de uma sensação sem igual. Ao meu colega agradeci muito e paguei uma tubaina. Hehe que nada, na época acho que dei R$50,00, o que era uma boa gratificação.

Ah sim.....o paraguaio declarou á autoridade paraguaia que comprou a bike por uma ninharia de um brasileiro (safado), que claro não sabia o nome nem endereço hehe...se depois ele continuou a ser processado por crime de receptação eu não sei até hoje.

Surpresa maior foi a da minha mãe me vendo chegar em casa com a super máquina. Mas deu tudo certo e sempre me lembro dessa história que agora conto sorrindo, mas que no dia foi bem tensa.

Por fim , sabe aquele meu amigo que disse não ter nome esquisito, o Fábio, então isso não é verdade, todos chamavam ele de pisca, pois ele tinha hábito de piscar um olho só – aquele cacoete. Mas é gente boa e as vezes quando vou a Guaíra ainda o vejo, mas detalhe: hoje ele não pisca mais, até se casou e tem filhos. Essa historia dá até um filme daqueles juvenis que passam na sessão da tarde....alguém se interessa em comprar direitos autorais? Espero que tenham gostado desta história, pois tudo aconteceu exatamente da forma como foi narrado. Abraços!

2 comentários:

  1. Fico só imaginado o Serginho sem documento no Paraguay...rsrsr
    só tu amigo...

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  2. Muito legal essa história rsrs impossível não imaginar as cenas narradas...eta magrela desejada kkkk

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